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Moqueca à capixaba de peixe com camarão feita por "moi"! |
Saí de casa aos 26 anos. Naquela época a minha mãe gostava de brincar dizendo que eu não sabia cozinhar nem água morna, mas não era bem assim porque eu tinha duas especialidades: brigadeiro e pipoca (doce e salgada!).
A verdade é que na casa dos meus pais nunca precisei cozinhar. No Rio de Janeiro, eu tomava o café da manhã com o gostinho do Rio: uma média (café com leite) e um pão na chapa na padaria ao lado do trabalho. Almoçava a comida caseira da senhora que entregava quentinhas na empresa e no jantar fazia apenas um lanche ou me esbaldava nos petiscos dos botecos onde fazia happy hour. Quando estava inspirada, fazia um caldo verde ou uma massa em casa. Nos finais de semana, comia na rua (ô saudade do sanduíche natural da praia!) e em restaurantes e, portanto, a minha cozinha não era um compartimento muito frequentado.
Tudo mudou quando o Filipe se mudou lá pra casa. Acostumado a jantar comida todo dia, na primeira noite ele perguntou: e o que vamos jantar? Eu, querendo impressionar, preparei uma pizza de frigideira bem caprichada com mozzarela, atum, cebola e alcaparras. Ele comeu e perguntou: Mas é só isso? Eu pensei: Oba! Ele adorou! E respondi: Magina! Posso fazer outra de queijo e presunto.
No dia seguinte, cheguei do trabalho e encontrei uma massa de frango com curry maravilhosa esperando por mim e, a partir daí, ele foi eleito o cozinheiro oficial da nossa relação.
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Posta de bacalhau assado com batatas ao murro à moda do Chef Filipe. |
Em Portugal, os hábitos alimentares, horários das refeições, sabores e temperos são basicamente iguais aos brasileiros e a comida nos cafés e restaurantes é farta, barata e deliciosa. Na Holanda, não há tradição culinária a tradição culinária é mínima, e tirando raríssimas exceções, o que eles chamam de comida eu chamo de "snack" (pão com queijo, croquete, isca de peixe frito, batata frita...). É óbvio que existem restaurantes muito bons (vou dar dicas deles futuramente aqui no blogue), mas são caros, não dá para ir com a frequência que costumávamos ir no Brasil ou em Portugal.
Eu venho de uma família em que a vida se fez em torno da boa mesa e das rodas de violão, portanto, a minha memória afetiva está muito ligada à música, aos aromas e aos sabores e, nos últimos dois anos eu descobri que cozinhar é terapêutico. No nosso primeiro Natal na Holanda, pela primeira vez na vida, estávamos só nós dois. Chegamos a pensar que seria deprimente, que íamos encher a cara e dormir antes do Papai Noel chegar. Mesmo assim, decoramos a casa toda e armamos uma árvore de Natal enorme (por insistência minha, é claro), mas o que realmente preencheu a casa com o clima de Natal foi o cheiro do peru assando e todos aqueles aromas da típica ceia de Natal que eu estava acostumada. De repente, eram tantas lembranças e vozes familiares na minha mente enquanto eu cozinhava que era como se a casa estivesse cheia. Hoje, lembramos daquele Natal como o nosso preferido na nossa vida de casados.
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A nossa simples e poderosa ceia de Natal de 2012. |
Matar a saudade de pessoas amadas através da gastronomia não é o único fator que me faz considerar a culinária uma terapia. A sensação de se sentir capaz é maravilhosa! Todo o processo é poderoso: desde pesquisar a melhor receita na Internet, ir "à caça" dos ingredientes, acertar nas medidas, até o momento da primeira garfada! Quando tudo sai bem, a autoconfiança e a autoestima atingem níveis elevadíssimos, quando sai mal, é mais uma sensação de fracasso e frustração para se somar às muitas que permeiam a vida de um imigrante e precisam ser digeridas. O fato é que depois que eu comecei a acertar nas receitas, eu não quis mais parar, e dia após dia, tenho me desafiado e me superado mais e mais!
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Quadradinhos de maracujá: a cara da minha infância. |
Ontem bateu saudade de um gostinho da infância lá em Belém do Pará: Quadradinhos de maracujá. Hoje estou escrevendo essa postagem me deliciando com uns um. Se você também morre de saudade de sabores e aromas familiares e eles são difíceis de encontrar onde você está, arrisque-se na cozinha afetiva! Afinal, a vida seria muito insossa se não fossem os nossos erros e tentativas, não seria?