10 de ago. de 2015

A moral de cada um de nós é a moral de todos

Ultimamente, tem pipocado na Internet textos de brasileiros que vivem no exterior falando dos mil e um motivos pelos quais não querem voltar para o Brasil, enaltecendo os países e as sociedades onde eles atualmente vivem e, mais recentemente, tenho lido textos de brasileiros que vivem no país enumerando os defeitos e os maus hábitos sociopolítico-econômicos do brasileiro no geral.

Eu concordo e discordo de muita coisa que li e não pretendo ser mais uma apontando os "milhares de defeitos" do povo brasileiro e fazendo listas de como a vida é perfeita num país de "primeiro mundo". Onde existe ser humano, existe imperfeição e acho que todo mundo que é minimamente informado já sabe que os políticos não vêm de Marte, mas sim da mesma sociedade que vota neles e que se comporta da mesma forma que eles em todas as esferas sociais.

O que me inspirou a escrever esse texto foram duas experiências que tive recentemente aqui na Holanda e que me fizeram questionar: Será que é tão difícil assim fazer o que é certo?
Vou contar as histórias que vão ilustrar melhor o que eu quero dizer.

História 1

Ano passado minha mãe veio passar um mês aqui comigo e trouxe o laptop que ela tinha acabado de adquirir no Brasil e ao configurá-lo, esqueceu da senha que tinha usado para poder iniciá-lo. Como eu também não consegui recuperar a senha, levamos o computador para uma loja onde o técnico que nos atendeu disse que era possível recuperar a senha e que o orçamento ficaria em torno de €40,00, caso nenhum programa e/ou o sistema operacional tivesse que ser reinstalado, o que aumentaria o valor. Deixamos o laptop na loja pro serviço ser feito e quando fomos buscá-lo, o técnico disse que o problema tinha sido mais simples de resolver do que eles haviam imaginado e que como não houve necessidade de reinstalar nada, o valor do serviço ficaria em €20,00. Neste momento, minha mãe me olhou num misto de felicidade e surpresa dizendo: "Minha filha, como eles são honestos aqui!" Pagamos e fomos super felizes para casa.

História 2

Achar um bom cabeleireiro aqui na Holanda tem sido uma saga e eu basicamente já desisti. Ultimamente, vinha pintando eu mesma os meus cachos e só corto as pontas num salão que na verdade é uma academia de cabeleireiros, onde você é atendido por um aluno prestes a tirar o diploma que, por sua vez, é supervisionado por um professor durante o atendimento. Resolvi que estava na hora de pintar direito o meu cabelo, pois a lambança que faço no banheiro pra pintá-lo me fez achar que pagar até €50,00 no salão valeria a pena (no site deles diz "coloração a partir de €30,00"). Enquanto eu decidia a tonalidade com a moça que me atendeu, resolvi adquirir também um shampoo e uma máscara hidratante especial para cabelos tingidos. Quando a professora veio com o orçamento, eu quase caí pra trás: €81,00, incluindo os produtos. Eu disse que não estava a espera de pagar isso e que sendo assim não levaria os produtos. O orçamento ficou então em €67,00. 
Passei o atendimento todo super arrependida de ter ido lá e jurei pra mim mesma que não voltaria mais, não valia a pena. Mais tarde, lá vem a professora de novo com o papel do orçamento, mas dessa vez, para me dar uma ótima noticia: "Afinal, usamos 1 tubo de tinta a menos do que havíamos previsto e o seu valor final vai ficar em €50,00." Alívio imediato! Paguei exatamente o que havia imaginado (e que no fundo, achava que era justo pro tamanho do meu cabelo). Saí de lá feliz, grata pela honestidade deles e certa de que voltarei e indicarei o salão para as minhas amigas.  

Moral das histórias
      
Em nenhuma das situações acima os prestadores dos serviços tinham a obrigação comercial de diminuir o valor do orçamento, eles prestaram o serviço solicitado e eu havia concordado com o orçamento original. Eu nunca iria saber que o técnico teve menos trabalho do que imaginava ter para recuperar a senha do PC da minha mãe e eu também nunca iria saber a quantidade de tubos de tinta usados para tingir o meu cabelo. Em ambos os casos, eles agiram dessa forma porque moralmente era o certo a ser feito e eles lucraram muito mais do que imaginavam, pois ganharam uma cliente que voltará sempre e os recomendará para os amigos.

Moral de cada um e de todos

Isso me fez lembrar de todas as vezes que a conta do restaurante veio errada a meu favor e eu avisei ao garçom, mesmo sob protestos e piadinhas de pessoas que estavam comigo na mesa. E me fez pensar também em todas as vezes que meus clientes me alocam projetos de revisão em que calculam me pagar 2 horas, por exemplo, e eu faço a revisão em 1 hora e aviso a eles, cobrando apenas o equivalente ao tempo que eu realmente gastei naquele projeto. Você acha que eu sou boba em agir assim e que eu deveria ser mais esperta? Então, você também acha que está certíssimo um administrador de uma obra pública orçar o projeto em 100 milhões, gastar metade e embolsar o resto. É A MESMA SITUAÇÃO, guardadas as devidas proporções.

Eu não sou perfeita, estou longe disso, mas ajo de acordo com o que a minha consciência considera certo e com o que está dentro dos meus padrões éticos e morais. Eu sei que há muita gente que não tem moral nem ética nem honestidade, mas eu sei também que essas pessoas são a minoria numa sociedade. A maioria age de forma incorreta por osmose, porque "todo mundo age assim" e se você não for esperto você é o único que se ferra. Pois bem, meus amigos, o brasileiro, no geral, e na minha humilde opinião, é honesto, tem moral e tem ética. Prova disso é que basta ele sair do país para passar a agir como manda o figurino dos outros países, seja ele de qual classe social for, portanto, eu enquadro a grande maioria que age mal no Brasil na categoria dos que agem assim por osmose.

Se cada indivíduo passar a agir de acordo com o que é moralmente certo, pode até ser apontado como o "bobo da turma" inicialmente, mas garanto que vai dar o exemplo para os seus filhos e vai influenciar as pessoas ao seu redor, ajudando a gerar uma sociedade onde se pode confiar no próximo, seja ele o taxista ou o presidente do país. Com o tempo, os que agem certo passarão a ser a grande maioria e os "malandrinhos de plantão" passarão a ser a exceção, casos isolados que não serão exemplos a serem seguidos, como acontece aqui na Holanda e em qualquer lugar do mundo, pois se existe um paraíso, ele certamente não está na face da Terra. No final das contas, a moral de cada um de nós se torna a moral de todos.

6 de ago. de 2015

Parada do orgulho gay de Amsterdã - Agora a palavra "orgulho" faz mais sentido

Você que quer boicotar empresas que usam casais gays em seus comerciais, aproveita e se muda pra Plutão. 

Quem me conhece já ouviu eu me queixar do clima na Holanda, da falta de tradição culinária holandesa e de outras coisitas mais, mas uma coisa é certa, em termos de laicidade do Estado e de legislação avançada, a Holanda está anos luz à frente da maioria dos países do mundo. Como muitos sabem, foi o primeiro país a legalizar o casamento homoafetivo, em 2001, e em 2009, oficializou a adoção. Tendo conquistado muitos direitos e, principalmente, respeito, os homossexuais na Holanda agem com muita naturalidade e é comum vermos casais despedirem-se com um beijo na porta de casa ou antes de entrar no trem.

Vista geral do trânsito de barcos após o desfile.

Sendo apologista do amor livre para todos os seres humanos e tendo familiares e amigos gays cuja felicidade eu sempre apoiei, eu já tinha ido às paradas do orgulho gay de São Paulo e do Rio de Janeiro, mas até então, tudo para mim era uma grande festa onde meus amigos podiam beijar seus namorados na rua e ser quem são por pelo menos um dia.

Barco dos funcionários dos Correios com sua coreografia de caixas de encomendas. 

Este ano, tive a oportunidade de ir assistir à parada de Amsterdã, e como não poderia deixar de ser, a parada de lá acontece nos canais da cidade. Eu já tinha visto fotos das paradas anteriores na Internet e tinha a impressão de que era uma mistura de parada com carnaval, porque os barcos são enfeitados como carros alegóricos e muitas pessoas se fantasiam. Eu não estava enganada, só não estava preparada para o fator surpresa.

Barco dos serviços de emergência. Desculpem a foto tremida. :-)

Como toda parada do orgulho gay que se preze, a de Amsterdã também é um desfile de homens e mulheres com corpos esculturais, muitas drag queens, muitas cores, muita música e muita alegria, o fator surpresa foi ver o que apelidei de barcos funcionais. Lá estava eu me divertindo e assistindo a barcos passarem com pessoas fazendo coreografias, geringonças que subiam como palanques de shows da Madonna para casais gays se beijarem lá em cima, quando de repente, passa na nossa frente um barco com pessoas "fantasiadas" de militares... "Peraí, eles não estão fantasiados, estão fardados mesmo!" Era o barco do Ministério da Defesa, e bem em frente de onde estávamos a música que tocava no barco parou e todos eles fizeram continência por alguns segundos, depois voltaram a dançar e a acenar para o público nas margens do canal.

O barco do Ministério da Defesa. Foto retirada do Google Images.

Alguns barcos depois, vieram os socorristas e enfermeiros que trabalham nas ambulâncias e serviços de emergência, noutro barco, os funcionários dos correios fazendo coreografias com caixas de encomendas nas mãos, alguns minutos depois, o barco da polícia, que não estava fazendo a patrulha do evento, mas sim participando do evento e vinha seguido do barco dos bombeiros.

Barco da Polícia. De onde eu estava não consegui fotos muito boas, mas se você clicar nas fotos, talvez as veja melhor.

Eu pensei com os meus botões: agora eu entendo o que a palavra "orgulho" faz nos títulos das paradas gays. Se a gente parar para pensar, essa é a verdade inegável, vamos acabar com essa hipocrisia de achar que não há homossexuais no Exército, na Marinha, na Polícia, nos Bombeiros, nas Emergências, nos Ministérios, nos Parlamentos, nos Laboratórios e em toda e qualquer profissão da face da terra. E vamos assumir que com quem essas pessoas se deitam não influencia em nada a sua competência e o exercício dos seus deveres para com a sociedade. Em vez de tentar mascarar o óbvio, vamos assumi-lo, vamos colocar essas pessoas em "pedestais" e aplaudi-las por tudo o que são e o que fazem por nós pelo menos uma vez ao ano. Não deve ser nada fácil ser um militar e arriscar a própria vida na guerra em nome de uma sociedade que lhe "deserdaria" se soubesse que ele é gay ou ser um socorrista num plantão da madrugada salvando a vida de quem lhe daria porrada se o visse andando de mãos dadas com seu namorado na rua.

Naquele dia, eu senti orgulho de viver numa sociedade onde as pessoas podem ser quem são com muito orgulho, com muito amor!

PS: Para ver fotos dos barcos mais alegóricos e da parada no geral, dê uma olhada no Google em Amsterdam Gay Pride Canal Parade 2015. ;-)