Ultimamente, tem pipocado na Internet textos de brasileiros que vivem no exterior falando dos mil e um motivos pelos quais não querem voltar para o Brasil, enaltecendo os países e as sociedades onde eles atualmente vivem e, mais recentemente, tenho lido textos de brasileiros que vivem no país enumerando os defeitos e os maus hábitos sociopolítico-econômicos do brasileiro no geral.
Eu concordo e discordo de muita coisa que li e não pretendo ser mais uma apontando os "milhares de defeitos" do povo brasileiro e fazendo listas de como a vida é perfeita num país de "primeiro mundo". Onde existe ser humano, existe imperfeição e acho que todo mundo que é minimamente informado já sabe que os políticos não vêm de Marte, mas sim da mesma sociedade que vota neles e que se comporta da mesma forma que eles em todas as esferas sociais.
O que me inspirou a escrever esse texto foram duas experiências que tive recentemente aqui na Holanda e que me fizeram questionar: Será que é tão difícil assim fazer o que é certo?
Vou contar as histórias que vão ilustrar melhor o que eu quero dizer.
História 1
Ano passado minha mãe veio passar um mês aqui comigo e trouxe o laptop que ela tinha acabado de adquirir no Brasil e ao configurá-lo, esqueceu da senha que tinha usado para poder iniciá-lo. Como eu também não consegui recuperar a senha, levamos o computador para uma loja onde o técnico que nos atendeu disse que era possível recuperar a senha e que o orçamento ficaria em torno de €40,00, caso nenhum programa e/ou o sistema operacional tivesse que ser reinstalado, o que aumentaria o valor. Deixamos o laptop na loja pro serviço ser feito e quando fomos buscá-lo, o técnico disse que o problema tinha sido mais simples de resolver do que eles haviam imaginado e que como não houve necessidade de reinstalar nada, o valor do serviço ficaria em €20,00. Neste momento, minha mãe me olhou num misto de felicidade e surpresa dizendo: "Minha filha, como eles são honestos aqui!" Pagamos e fomos super felizes para casa.
História 2
Achar um bom cabeleireiro aqui na Holanda tem sido uma saga e eu basicamente já desisti. Ultimamente, vinha pintando eu mesma os meus cachos e só corto as pontas num salão que na verdade é uma academia de cabeleireiros, onde você é atendido por um aluno prestes a tirar o diploma que, por sua vez, é supervisionado por um professor durante o atendimento. Resolvi que estava na hora de pintar direito o meu cabelo, pois a lambança que faço no banheiro pra pintá-lo me fez achar que pagar até €50,00 no salão valeria a pena (no site deles diz "coloração a partir de €30,00"). Enquanto eu decidia a tonalidade com a moça que me atendeu, resolvi adquirir também um shampoo e uma máscara hidratante especial para cabelos tingidos. Quando a professora veio com o orçamento, eu quase caí pra trás: €81,00, incluindo os produtos. Eu disse que não estava a espera de pagar isso e que sendo assim não levaria os produtos. O orçamento ficou então em €67,00.
Passei o atendimento todo super arrependida de ter ido lá e jurei pra mim mesma que não voltaria mais, não valia a pena. Mais tarde, lá vem a professora de novo com o papel do orçamento, mas dessa vez, para me dar uma ótima noticia: "Afinal, usamos 1 tubo de tinta a menos do que havíamos previsto e o seu valor final vai ficar em €50,00." Alívio imediato! Paguei exatamente o que havia imaginado (e que no fundo, achava que era justo pro tamanho do meu cabelo). Saí de lá feliz, grata pela honestidade deles e certa de que voltarei e indicarei o salão para as minhas amigas.
Moral das histórias
Em nenhuma das situações acima os prestadores dos serviços tinham a obrigação comercial de diminuir o valor do orçamento, eles prestaram o serviço solicitado e eu havia concordado com o orçamento original. Eu nunca iria saber que o técnico teve menos trabalho do que imaginava ter para recuperar a senha do PC da minha mãe e eu também nunca iria saber a quantidade de tubos de tinta usados para tingir o meu cabelo. Em ambos os casos, eles agiram dessa forma porque moralmente era o certo a ser feito e eles lucraram muito mais do que imaginavam, pois ganharam uma cliente que voltará sempre e os recomendará para os amigos.
Moral de cada um e de todos
Isso me fez lembrar de todas as vezes que a conta do restaurante veio errada a meu favor e eu avisei ao garçom, mesmo sob protestos e piadinhas de pessoas que estavam comigo na mesa. E me fez pensar também em todas as vezes que meus clientes me alocam projetos de revisão em que calculam me pagar 2 horas, por exemplo, e eu faço a revisão em 1 hora e aviso a eles, cobrando apenas o equivalente ao tempo que eu realmente gastei naquele projeto. Você acha que eu sou boba em agir assim e que eu deveria ser mais esperta? Então, você também acha que está certíssimo um administrador de uma obra pública orçar o projeto em 100 milhões, gastar metade e embolsar o resto. É A MESMA SITUAÇÃO, guardadas as devidas proporções.
Eu não sou perfeita, estou longe disso, mas ajo de acordo com o que a minha consciência considera certo e com o que está dentro dos meus padrões éticos e morais. Eu sei que há muita gente que não tem moral nem ética nem honestidade, mas eu sei também que essas pessoas são a minoria numa sociedade. A maioria age de forma incorreta por osmose, porque "todo mundo age assim" e se você não for esperto você é o único que se ferra. Pois bem, meus amigos, o brasileiro, no geral, e na minha humilde opinião, é honesto, tem moral e tem ética. Prova disso é que basta ele sair do país para passar a agir como manda o figurino dos outros países, seja ele de qual classe social for, portanto, eu enquadro a grande maioria que age mal no Brasil na categoria dos que agem assim por osmose.
Se cada indivíduo passar a agir de acordo com o que é moralmente certo, pode até ser apontado como o "bobo da turma" inicialmente, mas garanto que vai dar o exemplo para os seus filhos e vai influenciar as pessoas ao seu redor, ajudando a gerar uma sociedade onde se pode confiar no próximo, seja ele o taxista ou o presidente do país. Com o tempo, os que agem certo passarão a ser a grande maioria e os "malandrinhos de plantão" passarão a ser a exceção, casos isolados que não serão exemplos a serem seguidos, como acontece aqui na Holanda e em qualquer lugar do mundo, pois se existe um paraíso, ele certamente não está na face da Terra. No final das contas, a moral de cada um de nós se torna a moral de todos.
Se cada indivíduo passar a agir de acordo com o que é moralmente certo, pode até ser apontado como o "bobo da turma" inicialmente, mas garanto que vai dar o exemplo para os seus filhos e vai influenciar as pessoas ao seu redor, ajudando a gerar uma sociedade onde se pode confiar no próximo, seja ele o taxista ou o presidente do país. Com o tempo, os que agem certo passarão a ser a grande maioria e os "malandrinhos de plantão" passarão a ser a exceção, casos isolados que não serão exemplos a serem seguidos, como acontece aqui na Holanda e em qualquer lugar do mundo, pois se existe um paraíso, ele certamente não está na face da Terra. No final das contas, a moral de cada um de nós se torna a moral de todos.