28 de out. de 2015

A Holanda é linda, mas infelizmente não é o meu número

Bem que eu sempre achei esses tamancos de madeira bastante desconfortáveis.

Sabe quando você vê um sapato lindíssimo na vitrine, entra na loja, experimenta, sente que aperta um pouco, mas compra mesmo assim porque espera que com o uso ele amacie?

Pois é, está sendo mais ou menos essa a minha experiência na Holanda. 

A Holanda é aquele país lindo, florido e organizado que todo mundo conhece pelo menos dos cartões postais, e foi com essa ideia em mente que eu e meu marido nos mudamos para cá há 3 anos atrás. Nós achávamos que o estilo despojado, casual e igualitário dos holandeses tinha tudo a ver conosco, e acreditávamos que bastaria aprendermos o idioma local para nos sentirmos 100% em casa.

É lógico que sabíamos que alguns ajustes nos nossos hábitos seriam necessários, aliás, se você não está disposto a mudar seus hábitos, a se relacionar com as pessoas de forma diferente e a aceitar que as suas verdades não são universais, é melhor ficar onde você está, porque mudar de país impõe uma mudança de 180 graus na sua vida, e essa mudança é crônica e irreversível. 

Voltando ao assunto, nós sabíamos que a vida na Holanda não seria parecida com o que já tínhamos vivido no Brasil e em Portugal, mas contávamos apenas com a impressão que tivemos quando viemos à Holanda de férias, e foi em busca "desse sapato lindíssimo que vimos na vitrine" que embarcamos nessa experiência. Mais uma lição aprendida para todo o sempre: viver num país nunca é a mesma coisa do que passar as férias, e o tratamento que os turistas recebem dos locais também não é igual ao dado aos imigrantes. 

Três anos se passaram, aprendemos começamos a arranhar o idioma, fizemos amigos (a maioria também estrangeiros) e, mesmo sem querer, adotamos o estilo de vida caseiro e reservado que no geral as pessoas levam por aqui. De repente, eu e Filipe, boêmios que somos, estávamos de pijama às 22:00 de sexta-feira, nos sentindo "velhos" e solitários. 

Mesmo que você não queira, o sistema te leva a viver assim. Os restaurantes encerram às 22h, os bares à 1h e as boates às 2h da manhã (isso em Roterdã, cidade onde moramos). Todos os nossos amigos moram noutras cidades, então não dá pra esticar muito quando nos encontramos porque temos que ficar atentos ao horário do último trem e, fora isso, o clima frio e chuvoso incentiva a ficar em casa. As pessoas costumam se reunir quando há um motivo especial, e tudo é programado com meses de antecedência, compromisso com data e hora marcada na agenda, mesmo que seja só para um café. E por falar em café, abro aqui um parêntese para os amigos Tugas, os cafés na Holanda fecham às 18h, portanto, podem esquecer aquele hábito de ir ao café após o jantar...

Como eu ia dizendo, tudo é sempre programado. Isso é muito bom nos serviços, até para falar com o gerente da sua conta no banco tem que ser com agendamento e os horários são sempre respeitados, mas na vida social, a gente sente muita falta do imprevisto, do improviso, daquele plano de última hora que acabou sendo a melhor noite dos últimos tempos, da espontaneidade de um encontro casual que acaba em vários chopinhos no bar da esquina e do amigo que liga do nada e diz "vamos pegar um cineminha hoje?"

Vocês podem achar que estou exagerando, mas eu nunca me senti vivendo numa sociedade tão formatada quanto a holandesa. Para onde quer que eu olhe, vejo padrões que se repetem na fala e no comportamento das pessoas. O país foi todo projetado, não há natureza selvagem e a paisagem é basicamente a mesma de Norte a Sul, bem como a arquitetura. Felizmente, existem as 4 Estações para quebrar um pouco da monotonia, mas depois que as coisas deixam de ser novidade para quem vem de fora, elas passam a ser previsibilidade e repetição. Pelo menos foi assim para mim.

O fato é que mesmo vivendo num dos países com a melhor qualidade de vida do mundo, eu e o Filipe começamos a nos sentir insatisfeitos, entediados, solitários e, mais do que nunca, estrangeiros com saudade de casa. É óbvio que há milhares de pessoas que se mudaram para cá e encontraram na Holanda o país dos seus sonhos e não querem sair daqui tão cedo, basta digitar no Google "viver na Holanda" e você encontrará centenas de blogues de pessoas testemunhando isso, mas aqui no Por falar em saudade, eu conto a minha história, a minha experiência pessoal, e é com tristeza, mas com muita lucidez, que compartilho com vocês que mesmo após 3 anos de tentativa, o sapato não amaciou. Definitivamente, a Holanda não é o meu número.

17 comentários:

  1. Concerteza que muito em breve irás calçar um sapato que te vai fazer sentir muito confortável. Adorei o post. Beijinhos.

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  2. Excelente texto. Não há nada como a nossa homeland. Têm sempre Portugal à vossa espera. Cumprimentos para vós.

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  3. Com o coração pesado que nos daremos um até logo (pq de alguma forma estaremos sempre em contato e visitas sempre que possível), mas a vida é muito curta pra gente viver insatisfeito, de maneira morna, e o negócio é mudar e encontrar em novos endereços aquelas borboletas no estômago de empolgação e alegria.
    Vou sentir muita saudade, mana! Mas estou feliz por vcs, muito feliz! <3

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    1. Obrigada, mana! Pelo caminho, a gente vai "acumulando" os grandes amigos que vamos encontrando, amizade que é amizade nunca fica para trás. Um beijão!

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  4. Oi Larissa, vi seu texto através do Daniel Duclos. Mofo na Finlândia há um pouco mais de um ano e te entendo totalmente.
    Vi em suas palavras as minhas! Rs... Tomara que vocês consigam encontrar logo o número de vcs!
    Abraço

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    1. Obrigada, Adriana.
      Que o seu sapato amacie por aí também. ;-)
      Um abraço e volte sempre!

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  5. Com a cultura do "sempre se mostrar" feliz, é raro ler um depoimento como o seu sobre a Holanda.É fato que morar em um outro país nunca é igual as férias! E que legal que você está mostrando isso, porque o que mais tem em época de crise no Brasil é gente dizendo que vai fazer as malas! Quem sabe lendo seu post reflitam mais na tomada de decisão e consigam escolher um sapato adequado. Mas pra saber tem que fazer, né? Com certeza vc vai encontrar logo um sapato bem confortável! hahaha (também vi seu post pelo Daniel Duclos) Beijos

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    1. Oi Denise,

      Também pensei muito nisso quando vi o pessoal começando a dizer que iria embora do Brasil se as coisas não mudassem... Ainda pretendo escrever sobre isso um dia.

      Obrigada pelo comentário e volte sempre. ;-)

      Beijos

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  6. Show...Depois de 3 anos, a Bélgica tb não "foi" o meu número e nos mudamos para o sul da Espanha. Costumo dizer que a Espanha está entre a "Europa" e o Brasil pelos motivos citados por você! Boa sorte na sua busca pelo número perfeito! Bjs

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    1. Obrigada, Cris!
      O importante é tentar, um dia a gente acerta, né?
      Beijos e volte sempre. ;-)

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  7. Morei aí por 2 anos e concordo com 100% do que vc disse. Minha esposa costumava dizer que de tão organizada e limpa nossa cidade (Hilversum) parecia uma cidade cenográfica, só que a consequência disso é a falta de vida, de espontaneidade e etc.

    Boa sorte na sua busca. Do nosso lado, depois da Holanda ficamos 2 anos no UK, para mim era demasiadamente apertado e deprimente. Agora estamos nos EUA, depois de 2 anos, tudo bem. Quem sabe ir mais um pouco para o Sul, já que o inverno de Boston é duro demais. Quem sabe...

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    1. Luciano,

      Eu costumo usar exatamente o mesmo conceito de "cidade cenográfica" que a sua esposa usava. :-)
      Cogitamos também ir para o UK e até para a Bélgica, mas achamos que seria mais do mesmo em termos de clima cinza e frio. Dá uma olhadinha no post "Cenas dos próximos capítulos" pra ver onde será nossa próxima tentativa. ;-)

      Boa sorte pra vocês aí nos EUA!

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  8. Oi Larissa. Legal seu post. Só queria deixar um comentário para você refletir.
    Não sei porque mas às vezes a nossa mente nos prega peças e a saudade faz a gente filtrar as lembranças e só lembrar das coisas boas que vivemos em um país. Eu moro na Nova Zelândia há quase 10 anos e por um tempo fiquei "fantasiando" como eu era mais feliz no Brasil. Mas aí eu comecei a fazer uma retrospectiva, refleti melhor e cheguei à conclusão que não era bem assim. Tenho muitas amigas que moram no Brasil, com este estilo de vida que vocês tem na Holanda de quase não sair à noite, mas no caso delas é por medo da violência.
    Também, o tempo passa, e a gente deixa de curtir as noitadas que curtia antes e no fundo gosta mesmo é de ficar em casa e não há nada de errado nisso. Parece que existe uma pressão para a gente queira ficar saindo sempre, socializando, e que só assim seremos felizes. Mas cada um é cada um e com o tempo todos mudamos.
    Eu adoro a vida pacata da Nova Zelândia. Estou mudando agora para Sydney porque meu filho, minha nora e meu neto mudaram para lá e decidi passar um tempo lá para me dar a chance de conhecer a Australia. Mas ainda tenho a impressão de que vou voltar para a minha amada terra kiwi. Beijos.

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  9. Oi Jeanine,

    Obrigada pelo seu comentário, pelo convite à reflexão e por compartilhar um pouco da sua trajetória. Eu não gostaria que as pessoas lessem esse post e ficassem com a ideia de que estamos indo embora da Holanda apenas por causa de noitadas. Estamos partindo da Holanda porque não conseguimos nos enquadrar na forma como as coisas funcionam e na maneira como as pessoas se relacionam no geral. Foi uma decisão refletida ao longo de muitos meses, levando em consideração dezenas de outros fatores e a conclusão a que chegamos foi: a vida é muito curta para vivermos infelizes por escolha própria. Viemos para cá por livre e espontânea vontade, tentamos, não deu, partiremos por livre e espontânea vontade. ;-)
    Fico muito feliz com histórias como a sua, você encontrou na Nova Zelândia o seu lar. Eu tive isso quando vivi em Portugal e sei que é possível. Por isso, não vamos mais insistir na Holanda, vamos em busca de um lugar onde possamos ter novamente a sensação de estar em casa. Sonho um dia poder voltar a viver no Brasil perto da minha família, mas ainda não será dessa vez.

    Um beijo e volte sempre aqui pelo blog, ele tá só começando. :-)

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    1. E você está completamente certa Larissa. Temos que viver onde o nosso coração bate feliz, pelo menos a maior parte do tempo. :-)
      Por nenhum momento eu interpretei que as noitadas eram o motivo da decisão de vocês, me desculpe se me expressei mal. Eu quis dizer que temos a tendência de lembrar apenas dos momentos bons que vivemos em outros lugares. Beijos!

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